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Sobre o festival

“O que você está olhando” remete ao título de uma peça da escritora norte-americana Gertrude Stein (1874-1946), A psicologia das nações ou o que você está olhando, escrita em 1920.

Com exceção do ponto final, Stein não apreciava sinais como exclamação, interrogação e vírgulas. Portanto, “o que você está olhando” pode ser lido como uma pergunta ou como um fato dado. Ou ambos.

  - O que você está olhando? 

  - Eu estou olhando o que você está olhando.

O enigma não se explica na escrita de Stein e se põe diante de nós para ser observado.

Tudo isso está nas quatro peças deste festival: Bem-vindos a Bloomusalém, Minha pequena Irlanda, Quando elas esperam e México.

QUANDO, ONDE E COMO?

O festival ocorrerá no dia 17 de dezembro de 2022 na Caixa Preta, Bloco D CCE - UFSC, "às 19:00h"

Entrada gratuita e o festival faz parte da programação do MAÇA 2022

Bem-vindos a Bloomusalém

Direção de Valdir Junior

Dizem que o escritor irlandês James Joyce escreveu uma única peça teatral, Exilados (1918), a qual, para a crítica, fica distante da ousadia das outras obras do autor, como os contos de Dublinenses (1914) e seus dois últimos romances, Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939).

Pode-se dizer, contudo, que Joyce é autor não de uma, mas de duas peças teatrais: a segunda é Circe (a feiticeira da mitologia grega, especialista em venenos e drogas), como é conhecido o episódio XV do seu romance mais célebre, Ulisses, composto de dezoito episódios, escritos em diferentes formas narrativas. 

O episódio XV, que explora a escrita de textos dramáticos, transcorre à noite numa rua com bordéis. Em quase 200 páginas, atuam mais de duas dúzias de personagens e tudo fala: os objetos, a natureza; e, por isso, o barulho é intenso. As personagens estão bêbadas, cansadas, a atmosfera é onírica e, como num delírio, há julgamento, nascimento e morte; os falecidos retornam, e há mudanças abruptas, sem fio narrativo.

Bem-vindos a Bloomusalém é uma adaptação não só do episódio XV da odisseia joyciana, mas também do capítulo XVIII, que é um monólogo, o de Marion (Molly) Bloom, mulher de Leopold Bloom, o judeu protagonista do romance. O monólogo se estende por mais de 100 páginas quase sem pontuação, e é considerado um dos ápices da literatura mundial.

O cenário é inspirado, principalmente, em uma obra de Lygia Pape (1927-2004),  Divisor, que é uma performance dos anos 1960 em que pessoas caminham debaixo de um pano branco com a cabeça de fora. A performance discute a liberdade individual em uma sociedade opressora. Propondo uma performance semelhante, a peça também trata da liberdade individual (dos irlandeses, dos judeus, das mulheres etc.) em uma sociedade colonizada pela Inglaterra, antissemita e sob o jugo da igreja católica. 

A luz foi pensada tendo como modelo a obra Roda dos prazeres, também da artista brasileira, criada na década de 1960.

Como o capítulo explora o sonho e o delírio, o filme surrealista O fantasma da liberdade (1974), do cineasta espanhol Luis Buñuel (1900-1983), também serviu de inspiração para a montagem da peça.

Créditos:

Tradução de Ulisses/ Ulysses: Bernardina Pinheiro e de Caetano Galindo.

Dramaturgia: Processo colaborativo.

Direção: Valdir Junior.

Elenco: Adriana Duque, Angelo Freire, Cristian Menna, Esther Pickrodt S., Guilherme Lohn, Helena Maradei, Laís Calderan, Malena Karine,Matheus Russo, Suellen Kist e Vitória Lima.

Iluminação: Rafael Gregório.

Sonoplastia: Valdir Junior.

CRÉDITOS

Dramaturgia: Dirce Waltrick do Amarante.

Tradução de Finnegans Wake: Dirce Waltrick do Amarante. 

Tradução das cartas trocadas entre James Joyce e Nora Barnacle: Dirce Waltrick do Amarante e Sérgio Medeiros.

Elenco: Hellen Cristina Hoffmann e Maria Clara Vieira.

Direção: Melissa Versari.

Iluminação: Melissa Versari.

Sonoplastia: Valdir Junior.

Minha Pequena Irlanda

Direção de Melissa Versari

A peça Minha pequena Irlanda mescla o oitavo capítulo de Finnegans Wake (1939), de James Joyce (1882 -1941), com as cartas do escritor a Nora Barnacle, a companheira de sua vida. No capítulo VIII, também conhecido como "Anna Livia Plurabelle", duas lavadeiras lavam roupas e conversam sobre Anna Livia e Humphrey Chimpden Earwicker (HCE), as principais personagens do último romance de Joyce. Esse diálogo é travado, contudo, numa linguagem onírica, uma vez que Finnegans Wake, como dizia Joyce, era um livro da noite. Nessa língua obscura, diferentes idiomas vêm à tona e palavras se misturam e se condensam, dando origem a um “caosmos” (para usar uma palavra do livro), matéria-prima de Finnegans Wake. Vida e ficção costumam se misturar nas obras de Joyce. Pode-se afirmar, desse modo, que HCE sugere um perfil de Joyce, enquanto Anna Livia personificaria Nora, sua esposa. Assim, “Minha pequena Irlanda” tenta colocar no palco o relacionamento do casal por intermédio de fragmentos retirados de cartas e de obras de ficção.

MÉXICO

Direção de Valdir Junior

México é uma adaptação da peça homônima de Gertrude Stein, que possuía uma concepção bem particular do teatro; assim, para ela, uma peça não deveria contar uma história.  

A escritora tinha também uma outra noção de tempo no palco, o qual não deveria avançar, de modo que o espectador deveria ser lançado em um eterno presente contínuo. 

De acordo com o escritor e fotógrafo americano Carl Van Vechten, amigo de Gertrude Stein, o uso frequente que a escritora fazia da “palavra ‘paisagem’ em conexão com o drama indica que ela imaginava uma peça como uma forma estática”, sem grandes ações ou nenhuma ação.

Em 1935, Gertrude Stein explicou que as peças teatrais de Opera and Plays (Ópera e peças) eram paisagens que haviam sido inspiradas no ambiente ao redor de sua casa de verão em Bilignin, na França. Mas ninguém deve esperar encontrar a região francesa em suas peças num sentido de lugar, o mesmo se aplica, aliás, à sua peça México, que não mostra esse país. 

Quando Stein chama as suas peças de paisagens, ela está esboçando uma analogia com as pinturas de paisagem, ou seja, está imaginando suas peças como pinturas de paisagem, ainda que a paisagem não apareça. Assim, sentia-se livre das convenções dramáticas. 

A escritora, que tinha muito contato com os pintores de vanguarda, afirmava: “a única coisa bem divertida que eu nunca fico cansada de fazer é olhar um quadro”, pois ao olhar longamente para ele podia desenvolver uma reflexão apropriada sobre o que ali estava pintado. 

Stein estava consciente de que “uma coisa criada significa mais para o escritor do que para o leitor. Ela só pode significar alguma coisa para uma pessoa, e essa pessoa é aquela que a escreveu”. Por isso, suas peças-paisagem permanecem ainda um enigma que instiga a imaginação do espectador e do leitor.

México é uma peça pós-dramática, ou seja, seu texto não apresenta rubricas, personagens bem definidos nem mesmo um enredo. A peça foi adaptada pelos alunos para que pudesse ser encenada neste festival; para tanto, foi necessário construir um cenário e um enredo com as abstrações da escritora. 

De um lado estão imigrantes latino-americanos ilegais tentando cruzar a fronteira do México para chegar aos Estados Unidos da América. Do outro lado, policiais norte-americanos tentam impedir que estrangeiros entrem em seu país. 

O movimento das personagens no palco foi inspirado livremente na dança-teatro da coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009), mais especificamente no espetáculo Kontakthof (Pátio de contato). Bausch usa movimentos do cotidiano e os torna abstratos e artificiais através da repetição. Além disso, nos espetáculos da coreógrafa alemã o enredo não opera no sentido de fábula. Essas duas características (repetição e ausência de enredo) estão presentes também nas peças de Gertrude Stein.

Em Kontakthof, de Pina Bausch, o espetáculo é “interrompido” para que espectadores e plateia assistam a um documentário sobre patos. Nesta montagem de México, o grupo escolheu Que viva México!, projeto cinematográfico não concluído do cineasta russo Sergei Eisenstein (1898–1948) sobre a cultura da época pré-hispânica até a revolução mexicana.   

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CRÉDITOS

Tradução de México: Dirce Waltrick do Amarante (A peça faz parte do livro O que você está olhando, de Gertrude Stein, organizado e traduzido por Dirce do Amarante e Luci Collin)

Dramaturgia: Processo colaborativo.

Direção: Valdir Junior.

Elenco: Adriana Duque, Angelo Freire, Cristian Menna, Esther Pickrodt S., Helena Maradei, Iago Debrassi, Laís Calderan, Malena Karine, Matheus Russo, Suellen Kist, Valdir Junior e Vitória Lima.

Iluminação: Melissa Versari.

Sonoplastia: Guilherme Lohn.

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CRÉDITOS

Dramaturgia: Dirce Waltrick do Amarante.

Tradução de Esperando Godot: Fábio de Souza Andrade.

Direção: Guilherme Lohn.

Elenco: Mary Clifford e Rafael Gregório.

Iluminação: Valdir Junior.

Sonoplastia: Guilherme Lohn.

Quando Elas Esperam

Direção de Guilherme Lohn

Quando elas esperam é uma adaptação da peça Esperando Godot, de Samuel Beckett (1906 -1989), escrita em 1949 e publicada pela primeira vez em 1952. Na nova versão, as personagens centrais, Estragon e Vladimir, se transformam em duas mulheres, o que não é novidade em montagens dessa obra beckettiana, que já foi encenada de diversas formas: apenas por negros, durante o apartheid; por internos de uma prisão, em Sarajevo; por um elenco exclusivamente feminino

no Brasil etc. 

Na montagem paródica aqui proposta, Estragon é Cinderela e Vladimir, Branca de Neve. O que as duas esperam? Um príncipe encantado, ou um homem que desperte Branca de Neve e tire Cinderela da miséria. Nas histórias infantis os príncipes aparecem e salvam as donzelas, mas em Quando elas esperam... 

A escolha de duas “princesas” de contos de fadas faz uma alusão à obra do artista norte-americano Paul McCarthy (1945), mais especificamente à instalação/performance WS (White Snow/Branca de neve). Na obra WS, o que o público vê é uma casinha inacessível no meio de uma floresta, típica dos contos de fadas dos irmãos Grimm. Fora da floresta, porém, uma outra casa é acessível ao olhar curioso dos espectadores, e parece bastante comum.

Ao redor disso tudo, em grandes telões, vídeos exibem uma orgia da qual participam duas Brancas de Neve, sete anões de Walt Disney, interpretado pelo próprio Paul McCarthy. No interior da casa comum, pode-se ver a pós-orgia, retratada por meio de imagens muitas vezes chocantes e repugnantes.

O título da peça, Quando elas esperam, é uma referência ao filme do diretor sueco Ingmar Bergman (Quando as mulheres esperam), que estreou no mesmo ano da publicação de Esperando Godot, em 1952. No filme, em uma casa de campo, quatro mulheres, cercadas de crianças, esperam seus maridos voltarem enquanto falam do passado, de seus encontros e desencontros com os parceiros; ou seja, não existe presente nem futuro; apenas passado.

São muitas as falas escritas pelo próprio Beckett que cabem perfeitamente na boca das duas heroínas dos contos de fadas. Na cena original, por exemplo, basta substituir a bota por um sapatinho de cristal para que Estragon assume outra personalidade compatível com suas falas... 

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